terça-feira, 2 de novembro de 2010

Devaneio de um pensar.


Hoje resolvi escrever sem máscaras. Hoje não me sinto Lilith, não estou voltada para Sophia. Hoje sou apenas esse eu livre de corretivos, base e pó de arroz. Talvez apenas um batom vermelho. Vermelho sangue, pois mordo meus lábios ao passo que me relato. Hoje apenas a libriana aos 20.
Há dois anos (talvez menos), me julguei ser tal qual uma cor pastel. Neutra. Apática. Crua. Julguei-me assim porque já não mais chorava. Houve certa vez a dona dos cabelos longos e sorriso puro, mas para ela eu apenas tentava provar que eu não poderia ser bege. Poderia ser azul, roxa, laranja ou até verde, mas não bege. Eu não mais chorava. Sequer lembrava a última vez que havia lágrimas de verdade, sem que para tal eu necessitasse montar o meu palco com uma tragédia shakespeariana ao cenário de papelão.
Me julgava então uma espécie de poeta sem caneta... papel.... Pior! Sem versos! Impossível! Eu? Jamais. Libriana com vocação para palavras e recoberta de ideologias? Nunca. Insisti sem certezas. E foi um ano inteiro persistindo e correndo atrás das malditas lágrimas que não me desciam aos olhos. Nada e ninguém me faziam chorar sem a montagem detalhada do tal palco. E isso me perturbava.
Já ouviu falar daquele ditado que fala sobre as coisas acontecerem quando não estamos esperando? O acho ridículo, mas tenho de dizer que o tal é verdadeiro. Quando eu estava acomodada aos tons de areia que eu havia me tornado, começou: Vermelho, Vinho, Negro. Me tornei de repente água. Lágrimas: hoje as tenho para dar e vender.
Confesso que achei estranho e, ao primeiro impacto, julguei ser somente pela situação que vivia – da qual não ousarei falar sem meu kabuki –, aquela que fez de minha vida um palco (talvez não shakespeariano, mas uma montagem do Caio Fernando). O que me surpreendeu mais do que as lágrimas que daí vieram, foram as lágrimas que brotaram das minhas alegrias. E até mesmo as lágrimas que surgem dos meus assuntos repentinos sem mais nem porquês.
Enfim, vou ao meu ponto. Sou um signo de ar e não me agrada essa água. Não me agrada nada a garganta engasgada e os olhos úmidos a qualquer tentativa de emoção. Não me entenda mal, não quero voltar a ser pedra. Mas não fica bem para uma libriana esses excessos. Que sejam úmidos os aguados e insossos os conformados terrenos.
Cansei dessas tonalidades. Opto agora por nuances de vermelho: ora ocre... ora vinho. Sou de ar e isso me apetece. Um extremo brisa de veraneio. Um extremo de vendaval e chuva. E meio termo.

sábado, 2 de outubro de 2010

Memórias de um Frangipani Senil

Tive um Rosa certa vez. Minha rosa tinha as pétalas mais lindas e os mais afiados espinhos. Minha rosa era a mais amada flor do meu jardim. Esperava ansiosa o dia que minha Rosa me daria botões de flores.
Seriam tão nossas, seriam tão como ela. Minha rosa poderia espetar-me por toda a vida e eu não ligaria. Minha rosa era tão cheia de vontades. Minha Rosa era tão cheia do meu amor.
Dei a ela água, ar, um biombo e uma redoma. Amava tanto e mais que tudo a minha Rosa. Mas um dia, não sei o porquê, minha rosa passou a desgostar-me. Minha Rosa, não sei como, passou a duvidar do seu, do meu e daquilo que chamamos de nosso amor.
Pobre rosa... Pobre de mim... Quando quebrou a redoma que havia reservado para o nosso amor, cortou-nos ambas. Machucou suas pétalas tão lindas, tão perfeitas. E ver minha Rosa triste, ainda hoje, me dói mais que qualquer ferimento. Me dói da raiz aos frutos que ainda não surgiram.
Prefiro minha rosa zangada comigo que vê-la ferida. Ainda que ambas me doam, morro um pouco a cada vez que ela se rega de lágrimas. Não tento esquecê-la, não busco a impossibilidade. O esquecimento, como caco de vidro, fere de todas as faces, então prefiro ferir apenas um lado: o meu lado.
Agora passo meus dias vivendo minha rosa de lembranças. Sarando as picadas de seus espinhos e me cortando com os cacos da redoma que guardava nosso amor. Me firo enquanto vou recontando para o infinito em escrito a nossa história. A reescrevo infinitamente enquanto vão caindo ao chão, doentes de tristeza e vazio, as flores do meu frangipani.
Tive uma Rosa certa vez...

sábado, 11 de setembro de 2010

Ah, Bruta Flor, Bruta Flor...



Não sei o que ela tem. Só sei que ela me tem...

Estranho esse sentimento de encantar-se pelo que nunca pretendeu ser encantador, mas assim que vejo esses seus olhos negros como pérolas raras que se trancam ao rir-se das alegrias da vida. Ah, quando rir-se de algo... Sinto meu espírito tão perturbado, tão feliz, tão nervoso e não consigo encarar-te sem sentir minha face inteira se ardendo e incendiando em silêncio. Se soubesses o quanto me dói esse silêncio, minha flor, sobretudo quando se faz presente seu sorriso. No momento em que sua pele branca vai se corando em torno de suas maçãs, meu peito grita e sinto um medo tão intenso de ser descoberta por me perder em sonhos na sua imensa graça.

Sei que nunca houve de sua parte intenção de semear isso dentro de mim. Compreenda que jamais poderei culpar-te por ser a flor dos meus olhos. Peço que também não me culpe, afinal, mesmo antes de tudo ter-se início, eu já sentia a inquietação ao ver-te. E não me culpes, meu encanto, não me culpes por não poder escolher seu tipo de flor. Entre Rosas com espinhos, Girassóis buscando o sol, Orquídeas como damas da noite, Tulipas, Margaridas, Violetas, Acácias e Azaléias... Tu és mais, ainda que não sejamos nada. Tu és feita inteira de flores. Do pequeno corpo curvilíneo aos cabelos ondulados e castanhos.

Ah, dona dos lábios de pêssego, por que só se faz tão bela assim ao meu ver? Primeiro foi a sua boca, depois seu sorriso e, quando me deparei com esse seu jeito, foi o meu fim. Foi apenas uma noite ao seu lado e eu dentro de minha redoma. Você sorriu e todo o cristal que me cercava veio por chão. Não poderia fazer nada ali, jamais faria algo naquela situação por mais que o álcool me livrasse do temor. Mas acredite, flor, é você que sempre sacudirá minha alma com apenas um sorriso de face corada.

Fico por essas linhas, mulher. Fico antes que minha revolta por querer-te se faça aparente. Termino aqui para não me perder em meras ilusões de um dia sentir-me perder nas pétalas que chama boca. Mas quem sabe... um dia... um talvez, minha bruta Flor do querer.

domingo, 27 de junho de 2010

Tarot


"Não pergunte às cartas, elas falarão.", ele disse quando viu minha cara de decepção ao ver o que seria dali pra frente. Não adianta lutar com o destino. Não adiantam pedidos de cílios. Uma pena não adiantarem as promessas em meio à madrugada.
Mudanças não se dão sem vontade. Eu sempre soube disso, mas é difícil aceitar esse abismo. Essa plenitude de ausência, excesso de vazio.
Não sinto sua falta, mas há algo que não sei explicar e talvez nem deva. Algo que sabe que no fundo haverá sempre esse elo, mesmo que disfarçado de semi-círcirculos.
Não devia ter perguntado às cartas, ao menos nos restaria a esperança. Mas esse é o destino e agora vemos que não somos fortes. Nunca fomos.
Não deveríamos ter permitido esse abismo... Mas agora vamos ver o que a vida nos reserva.
Talvez uma ponte. Talvez ausência. Opto pela primeira, mas... Do que eu sei?

quarta-feira, 21 de abril de 2010

SEMPRE.


Decidi fazer diferente! Afinal, este ano está diferente. Nesse dia 21 faz um sol radiante, ao passo que ano passado era de nuvens e chuva. Talvez seja esse o sinal que pedi. Talvez esse sol seja a luz voltando, seja a diferença de etapas da vida. E talvez seja uma etapa cheia de luz, sem as águas de outrora.
Então decidi fazer diferente! Essa carta é totalmente de verdades. A verdade é que minha vida está ótima: amigos e devaneios. Alguns laços, ainda nenhum círculo, algumas elipses. E vejo muita coisa desmoronando, mas minha vida só evolui. Até que resolvo voltar ao jardim, jardim que só tem uma Rosa. Uma pena que hoje há um monte de ervas - daninhas em volta da minha Rosa. E atravessá-las é quase impossível.
Amor simplesmente não acaba (sempre digo), muda e fica guardado. Então, acalme-se. A mão sempre estará estendida, basta procurá-la. Não será mais como antes, mas não precisa desesperar em meio à madrugada e me ligar (não há mais espaço para tal). Assim como minha vida melhorou, a sua também irá. E de um jeito ou de outro, Pecado, estarei sempre ao seu lado, não será sozinha apesar de todo o mal.
Ah, te contei? Voltei a rezar, Pecado, minha relação com Ele melhorou! Agora peço por você e nada mais. Vou lá, o sol está forte esse ano, um desperdício ficar em casa. Espero que as cobranças terminem, e, mesmo sendo de nossa vontade, não te espero.
Amor não acaba. E seremos para sempre.
Daquela que te deu um coração,
Lilith.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

SEGREDO.

Hoje resolvi beber. Há tempos venho cultivando esse vício controlado, mas hoje é sexta. Hoje ele se faz obrigatório. Um boteco após a faculdade e alguns amigos. Ela não estava.
Ela, ela, ela, ela. Faz bem uns três dias que não sai da minha memória. Maldição ter gravado o cheiro dos seus cabelos. Maldição! Não é pra ser nada. Não foi nada. Mas fico com isso às voltas na minha cabeça. Essa falta de vontade repleta de desejo. Maldição ter gravado o cheiro dos seus cabelos. Maldição!
“Quando mulher quer, mulher consegue, faz.” Ela dissera certa vez a respeito de mais um de seus beijos distribuídos ao acaso. Ela, ela, ela. Pois, então, EU QUERO. Quero beijos embebidos em álcool, quero gozos silenciosos em meio à madrugada, quero esse segredo. Ela, ela, ela! Maldição ter gravado os cheiro daquele cabelo negro. Maldição!
Mas isso é de hoje. Hoje resolvi beber. Há três dias ela ronda meus desejos noturnos. Há várias noites, ela esteve por aqui. Engraçado quando se sai do roseiral, dei de fronte a uma flor que exala seu perfume na calada da noite. Fatal. Maldição ter gravado o cheiro de seus cabelos. Maldição esse cheiro de orquídea da noite.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Uma saideira.

Ontem me perguntaram o porquê de não voltar ao roseiral que criamos. Respondi que a rosa criou espinhos para me manter afastada, que eu sou uma roupa que ficou apertada, que você não gosta de mim. Mas, vezenquando, me deparo com certas coisas que fazem pensar diferente e talvez você goste de mim, não sei. Talvez você guarde as sombras do que fomos, ou não. Talvez eu não te conheça.
Deveria doer mais, não deveria? Deveria ao menos doer. E se eu disser que não dói mais? Que tampouco há ressentimento vivo. Que nossa ausência me fere fundo, mas não causa dor. Me fere a morte da esperança de nós duas, ou talvez eu não acredite nessa morte. Talvez eu guarde suas atitudes finais mais próximas da minha memória e o que foi amor guardo mais fundo, longe da memória e mais próxima do peito. Como a saudade de um cheiro da infância que aparece repentino e não carece de explicações.
Ainda me incomoda um pouco ver o que fizemos em nós. E me incomoda também usar “nós”, afinal agora somos eu e você. Me incomoda voltar nesse assunto, apesar de acreditar que esse afastamento é um tanto infantil. Pensar em você ultimamente não tem me incomodado e isso me incomoda. Mas não te cobro e tampouco me cobro. Meu peito foi dilacerado pelo que fez, a redoma de orgulho (que construí e moldei) me mantém ensurdecida.
Contudo, me incomoda essa minha alma prolixa e minhas palavras sucintas e por isso sou ‘louca’ aos seus olhos. E, além disso, nada mais me é incômodo nem a dúvida de achar que não gosta de mim. Se gosta, não sei. Se minha ausência deveras te dói, não sei. Se tens saudade, não sei. Se a Vida lhe dói, não me importo. E se acha que escrevo isso pelo incômodo, não ache.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Terezinha.

Foi assim: queda e frio. Lá estava ela procurando a certeza que a feriria ainda mais que a coroa de espinhos com a qual te apeteces vesti-la. Mas ela necessitava ver, tal qual uma criança que não suporta ter medo e finalmente olha debaixo da cama. Ela viu. O primeiro impacto não foi o desespero (na verdade, este nunca veio), mas sim o desnorteamento, em seguida a dúvida entre fugir ou permanecer e por fim as lágrimas quando foi ao chão.
Um dos piores sentimentos possíveis ao ser humano: se sentir traído – ainda que não o fosse – por aquilo que lhe pertencia. Mas pior que se sentir traído, é saber que não o é e ainda estar se humilhando. Afinal, lágrimas não são adequadas para uma madrugada lotada. Mas as lágrimas lembraram-na que o destino era seu aliado e implorou por socorro. Ele depressa apareceu e a fez perceber sua situação: ELA ERA UM ROSA. Sim, pois uma rosa caída permanece uma rosa.
Sempre se sentira prejudicada por não ter espinhos e era perigoso que tirasse sua redoma ainda que só para tomar o vento frio e, dessa vez, o vento fora demasiado gelado. Mas o destino a fez sustentar-se. Regou-se com gotas de orgulho e foi fazer o que necessitava que outra pétala visse (você estava ocupada demais para ver): ela sabia desabrochar.
As gotas de orgulho se misturaram às lágrimas e o resultado foi uma mágoa exuberante, naquele momento se sentiu liberta de sua redoma e repleta de espinhos, tão fatal quanto permite o feminino. E a viram desabrochando, alguns com olhos de pais, outros ainda de irmãos e a terceira foi a que teve coragem e se perdeu em espinhos quando lhe ofereceu a mão.

domingo, 14 de fevereiro de 2010


"Serei sempre apego pelo que vale a pena e desapego pelo que não quer valer." C.L.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Pequena Sophia

Foi bem assim:
Estava distraída e tu me pegaste. Em primeiro momento me senti invadida com tamanha interrupção em minha vida, mas, em seguida, percebi que o erro era totalmente meu em não prestar atenção ao que era muito antes necessário. Tremi com tamanha urgência que me interceptou. “E AGORA?” pensei. “Vou receber a conseqüência de não ter dado a devida importância a essa mulher que me cede a luz? E o que será de mim se ela resolver me deixar no escuro?”, pensei novamente. E de tão altos que eram meus pensamentos, a voz saiu muda para pedir desculpa.
“Sophia”, você disse em tom severo com as mãos na cintura e me olhando com aquele seu olhar que bronqueava mais que as palavras. Gelei! Sempre fora tão linda de todas as maneiras, sempre tão certa. E eu não sabia demonstrar o quanto me sentia NADA quando lançava esse olhar bravo contra mim, e nunca fui de gostar de me redimir.
Mas você estava correta (sempre). Eu não devia desviar, transviar, destratar, ignorá-la. Mas eu estava gelada, imóvel diante de você ali parada com seu olhar. E você percebeu meu medo e me atirou aquela pergunta irônica. Surpreendeu-me com aquela pergunta catastrófica e demorou até que eu me desse conta do que se consistia a ironia – compreenda, é difícil me dar conta de tudo em centésimos longos de um segundo veloz. Sempre você: olhar severo e palavras doces. Sempre certa.
Pensei veloz: “O morrer é sempre ruim, que bom que posso contar com você para me trazer de volta”. Dessa vez a voz saiu:
- Desculpa, professora, não penso mais na morte da bezerra.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

A carta


Ontem não ouvi sua voz. Você estava aqui, eu também estava e, portanto, não há desculpas, Rosa. E é isso? É isso que sinto quando pára de espetar-me? Eu sinto absolutamente essa hiperdosagem de vazio?
Nos libertamos, Rosa? Como se liberta do que um dia foi amor? Do mesmo modo que se separa da vida, acredito.
Não sei se sinto sua falta, mas como Rosa te digo: Vá e não se importe comigo. Terei de ser gentil com tudo que um dia virá a ser borboleta e, por favor, não se esqueça de me avisar quando perceber que não era o suficiente, quando se der conta que não deveria ter partido.
Talvez esteja mesmo no seu sangue essa escolha pelo “mal me quer”, mas no fim sempre houve essa sua vontade de mudar o instinto que nunca foi seguida.
Vá despreocupada, Pecado. Tenho minha redoma.
Beijos desta que te adora sem admirar,
Lilith

domingo, 31 de janeiro de 2010



Que eu seja uma rosa, mas que a seja sem os espinhos. Para me proteger, uso minha redoma.

Sobre um diálogo que a fez pensar.

-Nunca me arrependi tanto de uma coisa
- Arrependeu-se de que? De mim?
(Silêncio)
-Quero minhas coisas! Não acredito no que você disse! Você se arrependeu.
-Ok!
-Não quero mais te ver. (A maior e única mentira que dissera)
Desligou-se o telefone. Ela pensou na Vida e não houve tempo para que se esquecesse dessa vez. O telefone de novo tocou.
-Mentirosa, o nome disso é falsidade. E é bom saber o quão mentirosa é!
Pensou que só dissera a verdade até então, exceto pela parte da ausência que não desejava jamais. “E de que me julgas?” Pensou em concomitância.
-Eu não minto! Não para você! Nunca menti, juro! (Mais uma vez prestava-se ao papel ridículo de implorar para que a verdade fosse aceita. Era esse seu erro, amar ao outro mais que a si. Diria depois).
-Cansei dessa mentira!
E ela ficou sozinha mais uma vez sem entender o porquê da vida ser cega com seu coração. Mas o destino lhe foi verdadeiro e mais uma vez não deu tempo para que perdoasse. Ouve uma chuva de palavras... E sua alma alagou-se.
-Falsa, mentirosa! Merece sofrer nas mãos dos que não lembrarão seu nome.
E pensava. Pensou porque era só o que podia fazer. Pensou sem entender ou achar razão para que fosse tomada por meretriz justo por aquela que lhe era o ar. O ar de seu signo que tirava sua balança do equilíbrio. Pensava na injustiça e tudo sugeria que a Vida não era justa. Cansou-se de pensar e resolveu mudar (e essa foi a segunda mentira, sabia que não mudaria com a vida).Mudaria consigo mesma e com isso pensou.
-Eu vou embora... Fale o que tiver para falar agora, pois eu vou embora. E não se arrependa. (E aí errou, ela queria dizer “arrependa-se e peça desculpa”, mas ela não sabia mais se era capaz de perdão. Calou-se.)
Foi assim que ela deu um ponto. Costureira de mão cheia seria ao dar tal ponto, mas esperou por mais linha e nada lhe foi dito. Terminou de tecer junto com seus assuntos. E decidiu sair da cidade em breve.
(Horas silenciosas.)
-Alô?
-Oi. (Decidida a mudar, atendeu-a com a voz seca. Por um milagre, tornou-se monossilábica)
-Você vai mesmo viajar?
-Não sei (hesitar era característica de seu signo, mas o orgulho era característica particular). Sim, vou sim!
-Vai quando?
-Logo.
Forçou-se a mudar. Forçou-se a ser fria. Forçou-se a não ser ela mesma. Ao menos nos pensamentos viam-se vestígios de quem ela sempre fora: dor e entrega. “Sofro”, pensou.

Esquecimentos selecionados.

Esquecestes meus sorrisos, esquecestes da música, esquecestes da data, esquecestes nossos momentos e o que te recordas são as falhas, as minhas tristezas, minhas intolerâncias, meus impulsos desesperados. Todos os erros meus... E deles te recordas. Ao passo que eu me recordo, esqueço, aponto, ignoro e perdôo. Meus erros: unicamente meus. Teus erros: inevitavelmente teus e irremediavelmente meus.
Não mais agora, porque estou prestes a cometer o maior dos meus erros: vingança. Sim, sempre foi isso que você mereceu e espero que doa tanto ou mais que os cacos de vidro que usei para cortar meus pulsos repetidas vezes, Rosa. Espero que recorde esse erro para sempre, pois, após receber seus inúmeros tapas, aprendi a revidar e será pior que a coroa de espinhos com a qual me vestiu.
É isso, Vida, você agora é morte. Seu corpo será agora como uma velha casca e não há nada de triste em uma velha casca, não é mesmo? Espero que ainda consiga ouvir meus sorrisos – que um dia foram todos seus – em meios as estrelas. Eu estarei rindo mais alto que nunca e será para você. Relembre meus sorrisos para que seja ainda mais doce. Recorde pois minha vingança será essa: esquecimento.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Vênus na Janela - Gisa Pithan

Vênus na janela - Gisa Pithan

Pensar em você inspira meus desejos mais secretos
acionam-se palavras mágicas de todo um recitar
entro nos teus olhos
como se me embrenhasse numa noite
completamente escura, louca pra em entregar

às estrelas, não sei exatamente como tê-las
à loucura que fazemos nesse quarto
nesses corpos, nessa vida

Quantas vezes fale, não expressarei de longe
tanto quanto explique, saberei somente no teu gosto
gozos e sabores deliciosos vêm de ti aos poucos
beijos de embriagar

as estrelas, não sei exatamente como tê-las
à loucura que fazemos nesse quarto
nesses corpos, nessa vida

teus cabelos soltos se misturam aos meus pelos
marca viva da nudez a que nos submetemos
da janela, Vênus observa minha mão sem pressa
sonhos nos são reais

e as estrelas... sabendo exatamente como tê-las
a loucura que fazemos nesse quarto
nesses corpos, nessa vida.

E as estrelas se apagaram

A luz iluminava meus olhares intensos, mas agora há somente o escuro e lágrimas. Lágrimas estas que não deixo cair para proteger a minha intimidade. Choro sozinha, solidão e eu, e o escuro. Seguro As lágrimas e crio uma falsa proteção, falsa porque os cabelos oleosos, as fortes olheiras e os olhos em desespero me denunciam.
E o que me dói é o fato de saber que eu não mais me basto. O que me dói é o ar que me falta aos pulmões. Eu não posso gritar. Não posso berrar aos ventos o meu desespero, não posso berrar sequer minhas lágrimas que insistem em cair. Falta-me o ar, me falta vida, meu grito é mudo. Está nos cabelos oleosos, nas fortes olheiras, no desesperado olhar.
E há a escuridão, há o espaço que não está vazio e isso também me dói. E há também a inércia a que me obrigo. Não vou te procurar em algum outro lugar que não meus pensamentos, e não vou te expor me expondo... Seguro as lágrimas e me alimento delas... O resto é sua ausência, é te amar vitalmente e o cabelo oleoso e as fortes olheiras e o desespero no olhar.