quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Vinho do Porto

Abalava sua vaidade... percebia essa verdade naquele agora: embriagada de vinho do porto, uma chuva preguiçosa de pingos grossos escorrendo pela janela de seu apartamento na Tijuca, Janis berrando ao ouvido da noite feita. Desejou um cigarro, quase mais que à outra, desejou um cigarro. Não fumava nunca... pensou em principiar, mas soube que era um pensar irracional dos bêbados.

‘Hesitation Blues’ dava-lhe a esperança de que era apenas questão de espera, conseguiria apaziguar seu ego em breve. Mas sabia bem que não passava de uma na lista para ser deixada de lado. Sabia que sua função era antes apaziguar o ego dela... Daquela que lhe roubara um beijo e lhe dera motivo de agonia. Daquela que não conseguia traçar.
Creio que não era questão de incapacidade de construção e método literário... apenas não conseguia xingá-la, agredi-la, ainda que apenas com uma palavra. A vontade dos embriagados de machucar a razão de seu afogar nos líquidos de Dioniso não passava nem perto de seu querer por ela.


E Janis grita ‘Cry Baby’, a desesperada obedece. Alisava a face com o senso comum de gritar à noite chuvosa “Vadia, que sofra nas mãos de outra que nunca te quererá! Vadia! Não te quero! Não te quero!”, mas repassava as mãos na tez e crescia ainda mais a vontade de dar jeito àquele sentimento estapafúrdio, que nunca tivera ou terá razão. Queria dar seu jeito: tê-la na cama lhe beijando a boca, a nuca... mordendo-lhe o pescoço, puxando-lhe os cabelos...

Todavia, não queria que fosse esta a lhe ressuscitar o peito após os espinhos da primeira sempre amada. Sabia que era uma questão forte para o ego... não queria se ignorada por outra que não a primeira. Não admitiria. Está certo que sempre a associava ao sol, era próprio dela, o fogo. Era de seu signo. E a nossa embriagada, por ser ar, oxigênio, se sentia alimento daquele calor que lhe estava a consumir o peito, mas a entenda, não poderia ser vitimada mais uma vez.

Abalava sua vaidade aquela cena... os berros desesperados de Janis, ela no chão da sala junto aos seus papéis amassados, alguns cheios de rasuras, um lápis pendia da mão embriagada, deveras inútil em mais uma vez tentar traçar a dona de olhos francos. Bebeu, tentou chorar seu rancor em vão, quis um cigarro. ‘Maybe, maybe, maybe’. Virou o vinil: ‘Summer Time’.